Análise crítica do verso Rose is a rose is a rose is a rose, do poema Sacred Emily, da poeta Gertrude Stein

Wéverton Rodrigues
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Para fins de contextualização, iniciaremos a presente análise crítica do poema Rose is a rose is a rose is a rose, da poeta Gertrude Stein, introduzindo o conceito de Imagismo, nome dado a um grupo de poetas ingleses e norte-americanos que propõe a libertação da poesia da “prisão” do artifício retórico e também do sentimentalismo e da discursividade muito comuns na era do Romantismo e na poesia vitoriana, favorecendo, em detrimento disto, a construção de imagens visuais. Isto posto, é válido citar que a subjetividade do fazer lírico-literário nunca fora tão privilegiada como no movimento que inaugurou o modernismo no começo do século XX, tendo em vista que uma das etapas de interpretação de um poema consiste em decupar a escrita de modo a chegar à essência da imagem proposta na materialidade do escrito e, consequentemente, nas subjetividades que podem instar no não-dito.

Tendo-se iniciado no ano de 1908, com o poeta T.E. Hulme formando um grupo juntamente com Ezra Pound, a conhecida “Escola de Imagens” promovia a discussão de elementos relacionados ao ofício poético, em que pesava, sobretudo, o vers libre dos simbolistas franceses e do haicai japonês. Com o termo Imagiste sendo alcunhado ao grupo, Pound foi o responsável, no ano de 1914, pela edição da antologia Des Imagistes, onde era possível encontrar a reunião do trabalho de vários escritores, como Amy Lowell. Em discordância a Pound em relação à discussão crítica do Imagismo, Lowell publicou, em 1915, a antologia conhecida como Some Imagist Poets, que restringiu a participação somente aos ditos ‘poetas imagistas’. Apesar de, segundo a crítica, o movimento imagista ter tido seu fim com o volume final da antologia de Lowell, lançado em 1917, o conceito ainda fomenta muita discussão crítica dentro do fazer poético.

Diferentemente do culto à forma da produção de outras épocas, o Imagismo preza, segundo aponta Amy Lowell em “Prefácio a Alguns Poetas Imagistas”, pelo uso da chamada linguagem da fala comum, em que pesa o emprego da palavra exata (e não da quase exata) a fim de se ter não a palavra meramente decorativa, mas a palavra que melhor expressa o verso, evitando-se, assim, as generalidades vagas. Além disso, destacamos o uso do “verso livre” como um princípio de liberdade e não apenas como método de escrita poética, mas mantendo à vista a poesia dura e clara, nunca borrada nem indefinida, como aponta a autora no ensaio sobre teoria poética.

Toda produção lírica permite, em mais ou menos grau, a construção subjetiva de uma imagem. Diremos mais: de inúmeras imagens, já que existe uma suposta imagem sugerida pelo autor ao criar o verso e, ainda, uma imagem diferente construída a partir de cada leitura feita por cada pessoa. E sendo um tanto mais rigorosos: diferentes imagens são criadas por uma mesma pessoa a cada interpretação de uma obra, em momentos distintos, geralmente contando com uma carga de experimentação pré-definida socialmente que se soma à interpretação pessoal do ponto de vista de quem vê, dando vida, portanto, a um todo crítico específico e subjetivo.

Destarte, ao analisar o verso “Rose is a rose is a rose is a rose”, retirado do poema “Sacred Emily”, escrito por Gertrude Stein em 1913, podemos observar uma clara manifestação do verso modernista, sobretudo no sentido da liberdade da escolha temática, da cadência do seu ritmo aparentemente repetitivo numa busca de se dimensionar a essência da coisa representada poeticamente e, ainda, no uso do verso simples e na linguagem ordinária.

Quanto à escolha do elemento rosa, podemos destacar primeiramente a preferência pela grande rainha das flores e representante simbólica da flora. Notamos, ainda, que, apesar de o verso trazer textualmente apenas o signo substantivo ao qual ele corresponde imagética e concretamente no mundo real, é quase que indissociável elencar qualidades outras acerca do elemento referendado na construção lírica: perfumada, aromática, sensível, petalar, espinhosa, multicolor, defectível (porque não?) etc. Portanto, ainda que a rosa não se chamasse rosa, ou seja, tivesse outro nome (no caso, de ser referenciada pela poeta de outra forma), ela ainda “teria o mesmo perfume”, como disse o excelso William Shakespeare em um de seus inúmeros versos, posto que indissociavelmente está ligada a determinadas ideias e, por conseguinte, a certas construções no mundo das imagens.

Desdobramentos outros ainda podem ser feitos da obra de Stein. Um deles está associado à ideia de “algo estar contido em algo”, uma vez que, assim como a Rosa possui várias pétalas e por isso mesmo ser, por assim dizer, composta de “camadas”, a própria Rosa é composta por outras Rosas, seja no sentido simbólico da coisa, seja no fato de que uma rosa é originada a partir de uma semente, dos galhos com folhas/flores e/ou outras ramificações tendo sido podadas e, ainda, a partir das própria rosa – plantada separada do restante. Desse modo, simbolicamente falando, a Rosa ser uma Rosa, como destacado anteriormente, evoca uma ideia de infinitude, como o é a ideia da própria beleza, característica da qual este elemento se vale no campo subjetivo das sensações e das emoções e, claro, da construção imagética da arte.

Além disso, destacamos a quebra da linearidade a partir da repetição do substantivo e a ascendência da provocação conceitual e de efeito de sentido associada ao mecanismo da mutabilidade da vida e da passagem do tempo, metonimicamente relevante para o poema através do recurso adotado pela autora, sobretudo na ideia surrealista em que o elemento da flora em questão é colocado, por exemplo, em uma espécie de espiral, falando profusamente acerca da ciclicidade da vida.

Ainda explorando a ideia de conter e estar contido, destacamos a matrioska, um tradicional brinquedo russo que, feito em madeira, consiste em uma boneca maior contendo uma boneca menor. Segundo aponta a cultura russa, as matrioskas possuem a simbologia da maternidade, da fertilidade, do amor e da amizade, em que também pesa, para o enriquecimento da presente análise, a representação do ato do parto. Nesse sentido, o fato de uma boneca sair de dentro de outra maior representa o momento em que uma mãe dá à luz ao filho, que por sua vez em algum momento poderá também gerar uma vida e assim por diante. Desta maneira, a rosa, que muitas vezes também é associada ao órgão genital feminino e, por consequência, ao útero, receptáculo da fecundação, também pode ser uma representação da capacidade de uma mulher de gerar vidas em seu próprio ventre.

Evocando, ainda, a partir da decupagem, a ideia de beleza, não podemos deixar de associar o poema à própria figura da mulher que, chamada Rosa, contém outras Rosas – mas não somente Rosas, como também Açucenas, Margaridas, Violetas, Hortênsias, Dálias, Jasmins, Lis, Camélias etc etc. Aqui, o jogo de perspectivas também incide da interpretação do texto lírico, uma vez que, independentemente do ângulo através do qual se observa uma mulher e, ainda, do nome que ela receba – visto que, no poema, a Rosa seria a representação de todas as outras mulheres também -, ela permanece sendo, em essência, uma mulher, apesar de toda e qualquer vicissitude da vida que lhe possa ocorrer e, ainda, no cumprimento do papel social de mãe, irmã, prima, tia… Deste modo, lançamos aqui também a discussão da perspectiva social e filosófica do que seria mulher, a qual é relegada apenas àquela figura do ser que nasce com uma vagina, sendo tida, portanto, perante a sociedade, de forma reducionista, como tal. Isto porque, em aceno à identidade transexual, ou seja, da não conformidade com o gênero designado socialmente após o nascimento, urge ampliar a discussão que envolve a conceituação acerca do substantivo “mulher”.

Nesse sentido, abarcamos a ideia de a Rosa conter, também, as mulheres transsexuais, uma vez que a “essência de mulher” é indissociável, seja por gênese ou por vocação, à ideia de transgressão e de desconstrução do padrão estabelecido, características às quais este grupo está intimamente ligado. Sob uma perspectiva mais filosófica, o poema estimula a discussão em torno do “ser”, afinal, como diria Parmênides, “O Ser é”. Dessa forma, a autonomia do verbo e, mais do que isso, a autonomia do Ser, mesmo que representado pela figura de uma rosa, desvela o elemento protagonista do poema, colocando-o na condição de coisa existente em si e por si e, portanto, de algo que possui um sentido dentro de um sentido – ou, mesmo, de uma existência dentro de uma existência -, numa clara referência à metalinguagem propriamente dita, como se o ser tivesse como objeto o próprio ser, assim como o objeto da arte no modernismo é a própria arte.

Por fim, o poema ainda possui uma relevância, linguisticamente falando, na própria sonoridade daquilo que está exposto. Isso acontece porque, ao se utilizar o recurso da repetição, a autora provoca uma espécie de efeito rítmico que leva o leitor a ler ‘arose’ em ‘rose is a rose’. Nisto, é possível afirmar que, tomando o conceito do verbo ‘to arise’, aqui conjugado como arose, forma encontrada no tempo verbal conhecido como simple past, a saber, “surgir” ou “emergir”, podemos estabelecer novamente a relação acerca da ciclicidade – não necessariamente da vida, visto que este sentido é comumente posto, em essência, como correspondente à vida humana – do processo natural da própria rosa, indo desde a sua germinação até o seu emurchecimento (não deixando, porém, ainda, de ser, em essência, uma rosa, que, tendo sido uma coisa, não pode ‘deixar de sê-lo’), evidenciado, assim, a ideia processual de surgimento, aparecimento, crescimento, etc., à qual o verbo em questão faz referência, criando um efeito de sentido no poema supracitado.

* Alexia Suiany Araújo Barbosa
* Wéverton Rodrigues Silva

* Graduando do Curso de Licenciatura em Letras (Português e Inglês) da UFAPE. Ensaio crítico produzido como requisito para cumprimento de parte da 1ª VA da disciplina optativa de Literatura Estadunidense do século XX, ministrada pela Profª.  Drª. Monaliza Rios Silva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LOWELL, Amy. [1916] ESSAY ON POETIC THEORY – Preface to Some Imagist Poets. Disponível em: <https://www.poetryfoundation.org/learn/glossary-terms/imagism&gt;>. Acesso em: 03 de jun. de 2023.
POUND, Ezra. {1913] A Retrospect and A Few Don’ts. Disponível em: <htatps://www.poetryfoundation.org/articles/69409/a-retrospect-and-a-few-donts&gt>. Acesso em: 03 de jun. de 2023.
POUND, Ezra. {1913] In a station of the Metro. Disponível em: <https://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/poems/12675/in-a-station-of-the-metro&gt;>. Acesso em: 03 de jun. de 2023.
STEIN, Gertrude. [1913] “Rose is a rose is a rose is a rose” In: Sacred Emily. Disponível em: <https://writing.upenn.edu/library/Stein-Gertrude_Rose-is-a-rose.html&gt;>. Acesso em: 03 de jun. de 2023.
DOLHNIKOFF, Luís. Gertrude Stein: um fracasso moderno. Sibila, 2012. Disponível em:  <https://sibila.com.br/critica/gertrude-stein-um-fracasso-moderno/3788>. Acesso em: 03 de jun. de 2023.

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